07 maio, 2006

XV - Florestas

De uns tempos pra cá, todas as noites eu me debruço na janela lá de cima e coloco-me a medir a floresta com uma régua de vinte centímetros. Pretendia descobrir o tamanho real dela. Não deve ser tão grande assim. Vou atravessá-la e alcançar os prédios e aquele monte de luz artificial que havia lá do outro lado da floresta. Às vezes me sinto como uma mariposa que vai de encontro à luz sem objetivo, sem destino, talvez porque não tenha ou porque não consegue achá-los.

Outro dia, em cima da caixa d´água da cidade, descobri que a casa do Seu Bento tem o mesmo tamanho que a floresta que eu media todas as noites. Três centímetros. Chegou a tão esperada hora. Com mais alguns cálculos iria conseguir saber exatamente quanto media aquela floresta. Eu só precisava visitar o velho Bento.

Mas quem é que tem coragem de visitar aquele velho?
Daqui de cima ele só tem meio centímetro.

03 maio, 2006

XIV - Mortos

Era para ser um álbum de fotos. Era para ser uma coleção de lembranças de um passado recente. Era para haver sorrisos nas faces quem olhasse para esses retratos. Retratos mudos, todos devidamente datados para nunca serem esquecidos, porém todos queriam esquecer, ou melhor, fazer com que nunca tivesse acontecido. Todos ajeitados, um ao lado do outro como um lindo álbum. Das duas datas, a primeira nenhum papiloscopista pode lembrar, já a última, seria prezeiroso poder ser esquecida por todos.